O Brasil, detentor de uma fração significativa dos recursos hídricos superficiais do planeta, confronta uma realidade cada vez mais complexa e alarmante: a escassez e degradação da qualidade da água, fenômenos que transcendem a preocupação ambiental para se tornarem barreiras concretas ao desenvolvimento sustentável e à segurança hídrica nacional, com impactos diretos sobre setores vitais como o agronegócio. Dados recentes apontam para uma perda expressiva na superfície coberta por água, exigindo uma análise técnica aprofundada e ações jurídicas e de gestão territorial urgentes.
Em um período de 40 anos, o Brasil registrou uma perda de 1 milhão e 900 mil hectares de superfície coberta por água. Esta diminuição é particularmente crítica em reservatórios naturais, que sofreram uma redução de 2 milhões e 400 mil hectares no mesmo lapso temporal. Embora a criação de 1,5 milhão de hectares de reservatórios artificiais para fins como geração de energia e irrigação tenha ocorrido, estes são intrinsecamente menos resilientes às mudanças climáticas do que os sistemas naturais.
A situação atinge níveis críticos em biomas como o Pantanal, onde a superfície de água permaneceu próxima à mínima histórica durante todos os meses de 2024. Juliano Schirmbeck, coordenador-técnico do Map Biomas Água, ressalta a imperatividade de o país romper com o mito da abundância de água e dedicar maior atenção tanto à quantidade quanto à qualidade deste recurso.
Corroborando este cenário, a qualidade da água nos rios brasileiros é motivo de profunda apreensão. Um levantamento da SOS Mata Atlântica em 17 estados na área de Mata Atlântica demonstrou que apenas 7,6% dos rios monitorados apresentaram qualidade considerada boa, com nenhum manancial atingindo qualidade ótima. A vasta maioria, 75% dos rios estudados, foi classificada como regular, indicando que já sofrem impactos significativos da poluição e demandam tratamento para serem adequados ao consumo humano.
A análise dinâmica da cobertura e uso do solo e da superfície hídrica no Brasil, bem como a detecção de perdas de vegetação nativa (desmatamento), são substancialmente apoiadas pela iniciativa MapBiomas, notadamente o MapBiomas Alerta. Este sistema colaborativo valida e refina alertas de desmatamento em todos os biomas brasileiros empregando imagens de alta resolução.
A solidez metodológica dos estudos do MapBiomas advém da integração de dados provenientes de múltiplos provedores de alertas (incluindo INPE, IMAZON, Universidade de Maryland, ISA, entre outros) e sua subsequente validação com imagens de satélite de alta resolução. É fundamental destacar que, embora o MapBiomas Alerta não avalie a legalidade ou a responsabilidade pelos alertas, ele publica dados objetivos e concretos acerca da ocorrência do desmatamento (perda de vegetação nativa).
Adicionalmente, o MapBiomas utiliza e disponibiliza informações provenientes de fontes oficiais para qualificar os alertas. Entre estas fontes, destacam-se os dados do SICAR (Cadastro Ambiental Rural), consultados via geosserviço, informações do SINAFLOR/IBAMA referentes a autorizações de supressão de vegetação nativa e planos de manejo, e bases de embargos dos órgãos ambientais. Apesar de potenciais limitações em termos de atualização dessas bases oficiais, sua integração confere uma base verificável e robusta aos dados divulgados, posicionando o MapBiomas como uma ferramenta essencial para o monitoramento e a fiscalização por parte de órgãos governamentais, instituições privadas e financeiras.
A degradação ambiental manifestada pela perda quantitativa e qualitativa dos recursos hídricos impõe prejuízos diretos e indiretos à sustentabilidade das atividades agro-silvo-pastoris. A escassez hídrica impacta a disponibilidade de água para irrigação, eleva os custos de tratamento para uso em processos produtivos e contribui para a perda de solo fértil através da erosão, frequentemente exacerbada pelo desmatamento.
A má qualidade da água, facilitada por normativas permissivas como a Classe 4 de enquadramento de rios, que permite a diluição de esgoto, compromete a saúde dos ecossistemas aquáticos e terrestres, que constituem a base dos recursos naturais de que o agronegócio depende. A crescente dependência de reservatórios artificiais, menos capazes de suportar os efeitos adversos das mudanças climáticas, incrementa a vulnerabilidade do setor a oscilações extremas na disponibilidade hídrica.
As práticas ilegais, como o desmatamento não autorizado e a conversão irregular de solos, não se restringem a causar danos ambientais; elas também deterioram a imagem e comprometem a competitividade do segmento do agronegócio que opera em conformidade com a legislação. A persistência de agentes que insistem em atividades ilícitas cria um ambiente de concorrência desleal e mina os esforços de produtores que investem em boas práticas de manejo do solo, dos recursos hídricos e da vegetação nativa.
Neste contexto, a necessidade de combater os desmatamentos e conversões de solos ilegais que prejudicam o setor que respeita a legislação e possui boas práticas de manejo do solo e demais recursos ambientais em suas atividades é premente. A eficácia da fiscalização e a adequação do arcabouço legal são cruciais para garantir a segurança jurídica e ambiental para aqueles que cumprem as normas e contribuem para uma produção verdadeiramente sustentável. A permissividade em certos aspectos da legislação atual, como a classificação de rios, incentiva a perpetuação de práticas predatórias.
As projeções e evidências empíricas indicam que as mudanças climáticas tendem a intensificar a frequência e a severidade de eventos climáticos extremos, popularmente denominados “bombas climáticas”. Do ponto de vista das ciências da terra, tais eventos impõem custos econômicos e ambientais significativos ao setor agro-silvo-pastoril.
Secas prolongadas podem levar à exaustão de corpos d’água e à degradação do solo por desertificação. Inundações severas e tempestades intensas causam erosão hídrica acelerada, resultando na perda irreversível de solo fértil, assoreamento de rios e danos à infraestrutura produtiva. A alteração dos regimes pluviométricos e térmicos afeta diretamente os ciclos fenológicos das culturas, a produtividade agrícola e pecuária, e aumenta a susceptibilidade a pragas e doenças. A menor resiliência dos reservatórios artificiais frente a essas flutuações extremas exacerba a dependência e vulnerabilidade hídrica e energética do setor.
A reversão da acentuada tendência de degradação ambiental é urgente e indispensável para a sustentabilidade a longo prazo das atividades produtivas no Brasil. A busca por “lucro fácil” através de práticas ilegais e predatórias, como desmatamento não autorizado, mineração ilegal, grilagem de terras e outras formas de exploração irresponsável, compromete de forma severa o capital natural do país e hipoteca o futuro das gerações.
Para efetivar essa reversão, são necessárias ações coordenadas e contundentes em múltiplas esferas:
A superação da crise hídrica e ambiental demanda uma transformação profunda no modelo de interação com os recursos naturais. A água e os ecossistemas não são meros insumos, mas sim a base da resiliência ecológica, da sustentabilidade econômica e da qualidade de vida. A proteção ambiental não é um entrave, mas um pré-requisito inegociável para o desenvolvimento de longo prazo. O futuro do agronegócio brasileiro e a prosperidade nacional estão intrinsecamente ligados à capacidade de proteger e gerir de forma sustentável seus preciosos recursos hídricos e florestais, banindo definitivamente as práticas ilegais que os dilapidam.
[1] Fabio Dib é Advogado, especialista em Direito Ambiental, Urbanístico, Público, Empresarial e do Agronegócio e Mestre em Ciências Ambientais
Fontes e Links Adicionais: Monitor Mercantil: https://www.camara.leg.br/noticias/1150742-brasil-perdeu-quase-2-milhoes-de-hectares-de-superficie-coberta-por-agua-em-40-anos-aponta-pesquisador/